Da: Associação Brasileira de Perícias Fisioterapêuticas – ABRAPEFI.
Para: Os especialistas do campo jurídico, juristas, aos profissionais da área da saúde e à coletividade.
Assunto: Repúdio ao Parecer Conjunto entre a ABMLPM e a ABERGO
1. Introdução
Em nota oficial, a ABRAPEFI (Associação Brasileira de Perícias Fisioterapêuticas), organização privada não lucrativa, expressa sua contundente oposição ao documento técnico elaborado conjuntamente pela ABMLPM (Associação Brasileira de Medicina Legal e Perícia Médica) e ABERGO (Associação Brasileira de Ergonomia e Fatores Humanos), divulgado em maio de 2025. O referido documento, ao pretender restringir as atividades periciais como exclusividade médica, desconsidera o arcabouço legal e os precedentes judiciais que legitimam a participação de profissionais da fisioterapia em avaliações periciais.
Apesar de sua aparente proposta de cooperação interinstitucional, o documento apresenta falhas substanciais tanto no âmbito técnico quanto jurídico ao tentar reservar unicamente aos médicos a competência para estabelecer nexos causais, subestimando a relevância de outras categorias profissionais com respaldo legal, particularmente a Fisioterapia do Trabalho, bem como campos de atuação reconhecidos profissionalmente, como é o caso da Fisioterapia Forense. Esta abordagem contraria dispositivos legais específicos, diretrizes normativas e jurisprudência consolidada no ordenamento jurídico nacional.
Cabe ressaltar que, anteriormente, foram empreendidas iniciativas de aproximação institucional junto à ABERGO, fundamentadas em compromissos verbais que sinalizavam a formalização de um acordo de cooperação técnico-científica entre esta entidade e a ABRAPEFI. Em maio de 2024, após tratativas preliminares, a ABERGO elaborou e encaminhou uma minuta detalhada do referido acordo, contemplando aspectos de colaboração mútua, intercâmbio de conhecimentos e reconhecimento recíproco das competências profissionais. O documento, meticulosamente analisado e prontamente aprovado pelo conselho diretor da ABRAPEFI, não recebeu, contudo, o devido prosseguimento por parte da ABERGO, que se absteve de formalizar o compromisso anteriormente sinalizado, evidenciando uma postura contraditória em relação às tratativas iniciais e às expectativas geradas durante o processo de negociação interinstitucional.
2. Contextualização
O documento técnico emitido conjuntamente pelas entidades mencionadas procura instituir uma interpretação unilateral acerca das atribuições periciais no âmbito médico e ergonômico, conferindo aos profissionais da medicina prerrogativas exclusivas quanto à elaboração de diagnósticos nosológicos e à determinação de nexos causais em processos avaliativos. Esta abordagem restritiva, além de carecer de fundamentação legal adequada, ignora deliberadamente a independência técnico-científica e as competências legalmente estabelecidas de outros campos profissionais especializados, notadamente a fisioterapia forense, área que contribui de maneira determinante para a compreensão dos aspectos ergonômicos, biomecânicos e funcionais em contextos periciais. A análise criteriosa das capacidades laborativas, das limitações funcionais e dos fatores ambientais que influenciam o desempenho ocupacional constitui domínio multidisciplinar que transcende as fronteiras de uma única especialidade, demandando abordagem integrada e colaborativa entre diferentes profissionais habilitados, conforme preconizam as mais avançadas diretrizes internacionais de avaliação pericial.
3. Críticas ao Parecer
Ao analisar detidamente o documento emitido pela ABMLPM e ABERGO, identifica-se que, apesar do emprego de terminologia técnica ao abordar a perícia ergonômica, existe uma inequívoca tentativa de hierarquização profissional, subordinando a atuação dos demais especialistas à perícia médica. O parecer sugere, de forma implícita e por vezes explícita, que exclusivamente o médico possuiria legitimidade para estabelecer nexos causais, relegando outros profissionais qualificados a funções meramente acessórias ou complementares.
A ABRAPEFI considera tal delimitação conceitual tecnicamente infundada e juridicamente insustentável, pois tenta circunscrever a perícia ergonômica e funcional à mera apuração de fatores de risco, excluindo arbitrariamente a possibilidade de análise da causalidade do adoecimento — posicionamento que não encontra amparo na legislação vigente nem na prática forense consolidada. A atuação do fisioterapeuta forense, particularmente no âmbito da Justiça do Trabalho, transcende a simples caracterização de riscos ocupacionais, abrangendo a análise integral e sistemática das relações entre exposição ocupacional, capacidade funcional e dano, dentro de seu campo específico de domínio técnico-científico.
O parecer conjunto ignora deliberadamente a legislação específica e as resoluções dos órgãos reguladores que reconhecem a capacidade técnica e legal dos fisioterapeutas para realizar diagnósticos e emitir laudos periciais em sua área de competência. Esta visão reducionista não apenas desrespeita a autonomia profissional legalmente estabelecida, mas também compromete gravemente a interdisciplinaridade necessária e a eficácia das avaliações periciais no contexto contemporâneo, contrariando as tendências internacionais de abordagem multiprofissional nas análises forenses.
4. Fundamentação Legal
A Lei nº 12.842/2013 (Lei do Ato Médico), em sua versão sancionada após os vetos presidenciais, não consagra o diagnóstico nosológico como ato privativo do médico. Além disso, as resoluções COFFITO nº 465/2016 e nº 466/2016 estabelecem claramente a competência dos fisioterapeutas na realização de perícias e na emissão de laudos de nexo causal em sua área de atuação profissional.
Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou que o diagnóstico nosológico não é ato médico exclusivo. No julgamento dos embargos de declaração no REsp 1.592.450, a Primeira Turma do STJ, por unanimidade, concluiu que é permitido ao fisioterapeuta diagnosticar doenças, prescrever tratamentos e dar alta terapêutica. Essa decisão reformou o entendimento anterior de que tais atribuições seriam exclusivas dos médicos, reconhecendo a plena capacidade dos fisioterapeutas para formular diagnósticos e indicar tratamentos em seu campo de atuação.
5. Consequências do Parecer
O documento técnico emitido conjuntamente pelas referidas associações configura grave ameaça de retrocesso institucional, com potencial para induzir autoridades judiciárias a interpretações equivocadas e decisões tecnicamente fragilizadas, além de instaurar um cenário de profunda insegurança jurídica para os fisioterapeutas que legitimamente atuam na esfera pericial. Ao pretender desqualificar provas técnicas produzidas por profissionais devidamente habilitados e circunscrever a análise pericial exclusivamente a abordagens nosológicas de domínio médico, o parecer não apenas contraria o princípio da interdisciplinaridade que norteia a moderna prática forense, mas também compromete significativamente o processo de elucidação fática e a busca pela verdade real nos procedimentos judiciais. Esta aparente tentativa de monopolização da atividade pericial representa uma violação ao princípio do livre convencimento motivado do magistrado, que deve ter à sua disposição todos os meios de prova tecnicamente válidos para a formação de seu convencimento, incluindo aqueles produzidos por fisioterapeutas no âmbito de sua competência profissional, especialmente em litígios que envolvem questões ergonômicas, funcionais e laborais, onde a expertise fisioterapêutica é frequentemente determinante para a adequada compreensão do nexo causal e da extensão do dano.
6. Conclusão
A análise crítica do parecer conjunto ABMLPM/ABERGO evidencia três equívocos fundamentais que ameaçam a prática pericial multidisciplinar: a incorreta classificação do diagnóstico nosológico como ato médico exclusivo, a tentativa de restringir a determinação de nexo causal à perícia médica, e a subordinação da perícia ergonômica como mero complemento à avaliação médica. Estas premissas carecem de fundamentação legal, contrariam a Lei do Ato Médico após vetos presidenciais, ignoram as resoluções do COFFITO que legitimam o diagnóstico cinético-funcional, e desconsideram a jurisprudência consolidada das instâncias superiores como STJ, TST e MPT que reconhece a competência técnica dos fisioterapeutas em estabelecer nexos causais em distúrbios ocupacionais.
A perícia fisioterapêutica com enfoque ergonômico constitui instrumento autônomo de prova técnica, conforme estabelecido pelo Código de Processo Civil, possuindo metodologia própria e capacidade de produzir conclusões independentes sobre a interação entre trabalhador e ambiente laboral. Esta abordagem transcende a mera identificação de fatores de risco, abrangendo a avaliação integral das repercussões funcionais da exposição ocupacional. A ABRAPEFI reafirma seu compromisso com a excelência técnica e a ética profissional, defendendo a autonomia da perícia fisioterapêutica como elemento essencial para a realização da justiça e a proteção da saúde do trabalhador brasileiro, rejeitando visões corporativistas que comprometem a natureza multidisciplinar da análise pericial contemporânea, ressaltando, ainda, que é livre a escolha do profissional nomeado pelo Magistrado de primeiro grau.
Recife, 23 de maio de 2025.
Dr. Douglas Garcia – Diretor Presidente da ABRAPEFI