A Associação Brasileira de Perícias Fisioterapêuticas, por meio de sua diretoria, ao tomar ciência da publicação “PERÍCIA CINESIOLÓGICA: UMA IMPOSSIBILIDADE TÉCNICO-CIENTÍFICA”[1] vem por meio desta apresentar sua total discordância e repúdio ao referido texto.

Embora a nossa constituição federal de 1988 garanta o direito à livre expressão do pensamento, o referido texto não tem base na ciência, muito menos deveria ser publicado por um periódico que tenha comprometimento em levar à sociedade, informações de valor legal, valor ético e valor científico, promovendo benefícios sociais e econômico.

Estas lamentáveis linhas estão carregadas de pecados e trazem APENAS uma opinião superficial de autor tendencioso. Há claramente incompetência na matéria visto o Currículo Lattes apresentado, inexpressivo e com claro conflito de interesse por almejar reserva de mercado. Ou seja, sem a exegese necessária discorre sobre assuntos que não domina.

A irresponsabilidade em publicar a opinião do autor que, no alto da sua ignorância, cria o motor para o exagero, falácias e incoerência com fatos, puxa o manto que encobre a ignorância e o desespero profissional de quem na graduação, não estudou o movimento humano em todas as suas formas de expressão e potencialidades. Fica evidente tal comportamento lastimável ao ser constatado um olhar raso sobre a cinesiologia, a cinesiopatogenia e outras disciplinas que dão base para o nexo causal ou concausal entre agentes causadores de lesões e danos, e a incapacidade resultante no corpo humano. Esse conhecimento não é nato do profissional médico e pode ser facilmente constatado fazendo a leitura da grade da graduação do autor, emitida pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC).

Outrossim, ignora decisões recentes do Ministério Público do Trabalho, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho e, até mesmo Novo Código de Processo Civil e Consolidação das Leis Trabalhistas, que sequer possui o termo “perícia médica”, o artigo se enquadra em texto de opinião, um gênero argumentativo típico de jornais, revistas e blogs. Não recebe peso nos guide lines internacionais e não será aceito para publicação em nenhuma revista científica.

Menos comuns na área científica, os artigos de opinião, assim como os artigos originais, são produzidos com base em evidências e resultados de pesquisa, porém permitem que o pesquisador contribua com o seu ponto de vista em relação a assuntos controversos, interpretação de descobertas recentes e validade de métodos normalmente empregados. PORÉM, os artigos de opinião são produzidos com base em dados já publicados, o que os diferencia dos artigos científicos originais:

O “artigo” não trata da formação acadêmica e científica do Fisioterapeuta, reduzindo conceitos de Biomecânica a um exemplo simplório de dobradiças – isso demonstra não somente o desconhecimento do estudo da cinesiologia, mas também um desrespeito à toda uma classe de PESQUISADORES FISIOTERAPEUTAS com mestrado, doutorado e pós-doutorado que contribuem para construção do saber científico da cinesiologia, com milhares de artigos publicados em revistas cientificas indexadas em importantíssimas bases de dados internacionais.

Na tentativa de desonrar e reduzir o trabalho do Fisioterapeuta, limita estes profissionais a conhecimentos e habilidades aplicáveis apenas em análises cinesiológicas funcional ou biomecânica.

Como entidade que valoriza a integridade científica e a busca pelo conhecimento, consideramos essencial abordar o impacto que tais declarações irresponsáveis podem ter na comunidade dos operadores do direito, visto que nas autoridades científicas da saúde, MERAS OPINIÕES NÃO SE SUSTENTAM.

A Biomecânica é apenas uma parte da cinesiologia e desempenha um papel crucial no avanço da compreensão dos aspectos mecânicos dos organismos vivos, quer seja em suas rotinas socio participativas quanto laborais, contribuindo para diversas disciplinas que vão muito além do campo Pericial, como ciência do esporte, reabilitação, próteses, órteses, desenvolvimento de melhores materiais não apenas na ergonomia e esporte, mas também em todas as outras áreas que exige interação do  ser humano seja com objetos, controle, roupas.

O trabalho diligente de pesquisadores dedicados nessa área não apenas ampliou o conhecimento do Fisioterapeuta, mas também resultou em aplicações práticas que melhoram a qualidade de vida do ser humano, além de auxiliar a justiça em seus litígios.

A “publicação”, aqui repudiada, parece desconsiderar os esforços de inúmeros cientistas que dedicaram tempo e expertise para aprimorar a compreensão da biomecânica. Tais declarações não apenas menosprezam o árduo trabalho desses pesquisadores, mas também desencorajam contribuições futuras para este campo vital de estudo.

A “publicação”, aqui repudiada, não aborda toda complexidade da Perícia realizada pelo Fisioterapeuta quanto ao estudo do nexo causal. Ignorando toda a grade curricular de sua formação e expertise para analisar nexo causal, como descrito na “letra D” da categoria 2236 da CBO do MTE, para o ato pericial, tanto o autor como a revista mostram completo desconhecimento das Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Graduação em Fisioterapia.

Importante trazer algumas disciplinas estudadas pelo Fisioterapeuta:

  • Biomecânica (estudo da mecânica dos organismos vivos);
  • Cinesiologia (ciência que tem como objetivo a análise dos movimentos);
  • Anatomia (estudo da estrutura e organização dos seres vivos);
  • Fisiologia (estudo das múltiplas funções mecânicas, físicas e bioquímicas dos seres vivos);
  • Patologia (estudo das doenças em geral).
  • Traumatologia, Reumatologia, Neurologia, Cardiologia, Pneumologia etc.

Em sua argumentação o “texto” desprovido de tecnicidade e cientificidade cita:

Os esforços para esclarecer se existe relação de associação ou de causa em uma doença vêm de longa data. Atualmente, os parâmetros mais utilizados são os propostos por Austin Bradford Hill (7), epidemiologista inglês que ganhou notoriedade ao demonstrar a relação causal entre tabagismo e câncer de pulmão. São eles: (a) forte correlação estatística; (b) consistência (em diferentes populações e em diferentes circunstâncias); (c) especificidade (efeito único); (d) antecedente (a causa deve preceder o efeito); (e) gradiente biológico (a magnitude do efeito aumenta com causa); (f) plausibilidade biológica ou mecanismo de ação; (g) consistência com outras informações relevantes; (h) prova experimental e (i) analogia.

Todos os laudos emitidos por Fisioterapeutas, no estudo do nexo causal, contemplam as variáveis supracitadas. E mais, Fisioterapeutas além de estudar profundamente todos os elementos do processo, avaliam fisicamente o autor da ação com minúcia e visitam o local de trabalho para entender todos os elementos que podem ter concorrido para o adoecimento. Partindo do princípio que o autor, com interesse no processo pode não relatar a biomecânica ocupacional de forma fidedigna, sendo imprescindível (sempre que possível) a visitação in loco para colher as informações pertinentes para conclusão da alegação de sobrecarga osteomuscular.

Na verdade, o que vemos de maneira costumeira são laudos médicos com estabelecimento de nexo sem considerar as especificidades do local de trabalho, se baseando apenas nas afirmações dos reclamantes, haja vista que na esmagadora maioria das vezes os assistentes técnicos e patronos contratados desconhecem o layout de trabalho, restando o contraditório totalmente prejudicado.

O texto ainda se baseia em falácias, já que o diagnóstico nosológico Não é Um Ato Médico, tanto que o inciso I do artigo 4º foi vetado pelas razões abaixo trazidas à baila:

Inciso I do caput e § 2º do art. 4º

“I – formulação do diagnóstico nosológico e respectiva prescrição terapêutica;” (VETADO)

“§ 2º Não são privativos do médico os diagnósticos funcional, cinésio-funcional, psicológico, nutricional e ambiental, e as avaliações comportamental e das capacidades mental, sensorial e perceptocognitiva.”

 Razões dos vetos

 “O texto inviabiliza a manutenção de ações preconizadas em protocolos e diretrizes clínicas estabelecidas no Sistema Único de Saúde e em rotinas e protocolos consagrados nos estabelecimentos privados de saúde. Da forma como foi redigido, o inciso I impediria a continuidade de inúmeros programas do Sistema Único de Saúde que funcionam a partir da atuação integrada dos profissionais de saúde, contando, inclusive, com a realização do diagnóstico nosológico por profissionais de outras áreas que não a médica. É o caso dos programas de prevenção e controle à malária, tuberculose, hanseníase e doenças sexualmente transmissíveis, dentre outros. Assim, a sanção do texto poderia comprometer as políticas públicas da área de saúde, além de introduzir elevado risco de judicialização da matéria.

 O veto do inciso I implica também o veto do § 2º , sob pena de inverter completamente o seu sentido. Por tais motivos, o Poder Executivo apresentará nova proposta que mantenha a conceituação técnica adotada, porém compatibilizando-a com as práticas do Sistema Único de Saúde e dos estabelecimentos privados.”

 Neste mesmo diapasão em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que Diagnóstico Nosológico NÃO é ato médico. E ainda, apontou o Fisioterapeuta como profissional capaz de formular o diagnóstico.  Vejamos:

Ao julgar os embargos de declaração no REsp 1.592.450, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, concluiu que é permitido ao fisioterapeuta e ao terapeuta ocupacional diagnosticar doenças, prescrever tratamentos e dar alta terapêutica.

Com essa decisão, o colegiado reformou seu entendimento anterior de que caberia exclusivamente ao médico a tarefa de diagnosticar, prescrever tratamentos e avaliar resultados, enquanto o fisioterapeuta e o terapeuta ocupacional, diferentemente, ficariam responsáveis apenas pela execução das técnicas e dos métodos prescritos. (“Fisioterapeutas podem diagnosticar e indicar tratamento”)[2]

O “texto” não se contenta em apenas distorcer a realidade técnico cientifica da cinesiologia e ignorar os órgãos superiores brasileiros, mas ainda extrapola sua competência técnica ao interpretar a seu bel prazer sobre a lei do profissional fisioterapeuta.  

A decisão do STJ está totalmente alinhada à intenção do legislador ao formatar a lei que regulamenta a profissão de Fisioterapia.

Esta intenção, ao formatar o artigo 3º do decreto lei 938, teve brilhante análise. Citamos a interpretação dada ao artigo elaborada pelo professor Rivaldo Rodrigues Novais Junior intitulado Fisioterapia brasileira: a intencionalidade do legislador[3] destacamos o trecho a seguir:

“executar métodos e técnicas fisioterápicos”: O adjetivo masculino “fisioterápicos” indica que ele se refere tanto à palavra “métodos” quanto à palavra “técnicas” e aqui vemos um profundo significado da intencionalidade da lei. Por definição, a junção das palavras gregas physis (natureza) e therapeia (tratamento) indica que o termo “fisioterápicos” aponta que os métodos e técnicas aos quais o artigo se refere são os “relativos ao tratamento por recursos da natureza”, qual sejam, os recursos físicos, tais como, a força, o movimento, o ponto (bases da física clássica), o som, a luz, a temperatura, a eletricidade, o magnetismo, o vácuo, a pressão, o volume, a gravidade, a inércia, a tração, o empuxo, a velocidade, entre outros. O uso da palavra “métodos” reitera a intencionalidade da lei, reforçando o conceito de uma profissão independente e desvinculada de outras. Do grego, methodos é uma palavra composta por meta (por meio de, através de) e de hodos (caminho, via), sendo definida em dicionários formais como um processo organizado, lógico e sistemático de pesquisa, de instrução, de investigação, podendo ser ainda analítico ou dedutivo. Portanto, toda organização da intervenção, incluindo as bases necessárias para seu planejamento são parte do campo de atuação privativo do fisioterapeuta. A definição de “métodos” não se confunde com a definição de “técnicas”, porém, a ordem em que as palavras aparecem indica uma sequência lógica a ser seguida: executam-se as técnicas após a execução dos métodos. A palavra “técnica” tem origem no termo grego “téchne”, que significa “arte”. Dicionários formais a definem como um “procedimento” ou “um conjunto de procedimentos” que têm por objetivo obter determinado resultado, seja no campo da ciência ou em outro. Aqui estão os atos: aplicação de técnicas de tratamento baseados em recursos da natureza após um processo sistemático de pesquisa e investigação dedutivo ou analítico. (grifei)

Ainda, ao realizar a avaliação física, é atribuída ao Fisioterapeuta a possibilidade de elaborar diagnóstico. Mais uma vez citamos a intenção do legislador através do artigo elaborada pelo professor Rivaldo Rodrigues Novais Junior:

– compatível com a intencionalidade do legislador, o campo de atuação profissional do fisioterapeuta exige o planejamento, a investigação e a ordenação, que dependem de uma análise do objeto de atuação, de separar uma parte da outra, que é o significado grego da junção das palavras “dia” e “gnosis”, tornando o processo de diagnóstico não apenas um ato, mas uma obrigatoriedade imposta ao fisioterapeuta tanto nos aspectos da funcionalidade humana quanto nos aspectos clínicos, topográficos, anatômicos, patológicos e etiológicos que norteiam o uso dos recursos fisioterápicos para restauração, desenvolvimento e conservação, termos que substituíram o “reabilitação”, ligado ao projeto de criação da profissão em nível técnico. (grifei).

Esta entidade se preocupa fortemente com o impacto das palavras publicadas e reconhece a importância de fomentar um ambiente de apoio para todos os empreendimentos científicos. A crítica construtiva e debates saudáveis são fundamentais para o progresso da ciência. A ciência não é feita com agressão à profissões ou mesmo reserva de mercado – agressão nunca terá justificativa plausível que a sustente. Rejeitar evidências substanciais podem prejudicar a reputação de uma classe profissional comprometida, além de inferir todo e qualquer preceito de ética.

Os magistrados são livres para escolher seus peritos, se preferem que a perícia técnica executada por médico ou por fisioterapeuta, que o faça sem que sua escolha seja contestada. Inclusive, há muitas regiões brasileiras que sequer existem profissional médico em unidades de saúde, tampouco atuando como auxiliar da justiça. 

Este “artigo”, que parece ter o intuito de prejudicar uma categoria profissional regulamentada, acaba por atrapalhar os Magistrados, engessando suas nomeações a um único profissional. Ele traz prejuízos econômicos, financeiros e sociais aos órgãos da República – Poder Judiciário, Executivo e Legislativo – e contribui para o atraso da pacificação social, além dos prejuízos econômicos, sociais e financeiros à sociedade brasileira. Sem peritos, os processos estagnam, prejudicando aqueles que anseiam por justiça, em geral os mais carentes, principalmente em determinadas regiões

Em conclusão, a Associação Brasileira de Perícias Fisioterapêuticas reitera seu compromisso com a integridade científica, a ética profissional e o respeito mútuo entre as diversas áreas do conhecimento. Entendemos que a diversidade de opiniões e análises enriquece o campo científico e contribui para o avanço da justiça e do bem-estar social. Continuaremos a defender os princípios de justiça, equidade e respeito, indispensáveis para o progresso da ciência e da sociedade como um todo. Conclamamos todos os profissionais e entidades envolvidas a se juntarem a nós neste compromisso por um diálogo construtivo e respeitoso.

Recife, 15 de janeiro de 2024.

Dr. Douglas Garcia

CREFITO 58.146-F

Diretor Presidente da ABRAPEFI


[1] https://www.perspectivas.med.br/2024/01/pericia-cinesiologica-uma-impossibilidade-tecnico-cientifica/

Acesso em 12/01/2024.

[2] “Fisioterapeutas podem diagnosticar e indicar tratamento.” STJ, 24 November 2022, https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2022/25112022-Para-Primeira-Turma–fisioterapeuta-e-terapeuta-ocupacional-podem-diagnosticar-e-indicar-tratamentos.aspx. Acessado em 12/01/2024.

[3] Novaes Junior RR, Gonçalves MS. Fisioterapia brasileira: a intencionalidade do legislador. Revista Científica CIF Brasil [Internet]. 2018; 10(1): 175- 186.

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